“DEUS ME POUPOU O SENTIMENTO DO MEDO”
Com a frase
acima, parafraseando o presidente Juscelino Kubitschek, o Promotor de Justiça
aposentado e advogado Sérvio Borges da
Silva mostrou a que veio: corajoso nada o intimidou em sua vida
profissional, nem mesmo quando, ainda jovem - 29 anos -, enfrentou dois atores
astuciosos e bastante experientes, no palco do júri: os advogados criminalistas
Mário Jorge e Vitório Constantino, que eram os defensores dos militares, réus
no caso da Chacina do Cadeião
(também conhecida como Chacina de Cornélio ou Caso Creuzinha, acontecida em 26
de junho de 1963, na cidade de Cornélio Procópio, norte do Paraná).
Gaúcho de
Soledade, pequena cidade do Rio Grande do Sul, Dr. Sérvio, ainda criança,
mudou-se para o Paraná, indo para a terra dos pinheirais e depois para a dos
cafezais: e sempre um paranaense de coração. Ressalte-se que não se cansa de
reiterar o sentimento que nutre de amor e ufanismo pelo estado que adotou.
Realizou seus
estudos em Curitiba, com professores como Paulo Leminski e René Dotti, tendo
cursado Direito na Universidade Federal do Paraná. Casado desde 1975 com
advogada Adélia Cristina, uma pé vermelho, eles são pais de duas filhas, das
quais muito se orgulham.
Dr. Sérvio Borges – uma referência na luta em prol da
moralização pública – tem
participado de inúmeros movimentos na cidade de Londrina, onde reside.
Um dos seus motes prediletos – ficou logo evidente para os entrevistadores – é
o resgate da cidadania, afirmando
que “o Brasil precisa de coisas
verdadeiras. Honestas”. Nunca tendo recebido diárias enquanto atuou como Promotor
Substituto, foi nessa condição que Dr. Sérvio assumiu o processo em foram
acusados o capitão (e na época do julgamento já promovido a major) Djalma Mello (que era delegado adjunto
e respondia como Delegado, pois o titular, Jorge
da Gama Malcher estava viajando)
e os policiais (sargento Octacilio
Aquino, cabo Lorival de Lima,
soldados Amantino Pedro Carvalho, Anizio Marciano dos Santos, Antonio Vitoriano Saturnino, Annio João Franco, Severino Manoel dos Prazeres e João
Farias de Brito) por terem atirado contra a multidão que ameaçava linchar o
preso, o chamado “tarado” Sebastião Vieira, que estuprou e matou a pequena
Cleuza Ramos, conhecida como Creuzinha, de 5 anos, em junho de 1963, em
Cornélio Procópio, cidade que contava então com aproximadamente 20000 habitantes.
Devido às
circunstâncias, houve o desaforamento do processo, acontecendo em Londrina o
julgamento dos militares, uma década depois, em maio de 1974. Dele participaram
como juiz, o Dr. Augusto Massareto;
e como escrivão, Irineu Zilitto (que
chegou a ficar rouco, de tanto ler depoimentos e outras peças do processo).
A defesa
alegou que os militares agiram no estrito cumprimento do dever legal, defesa do
patrimônio público, legítima defesa de terceiros, obediência à ordem superior
hierárquica. Para a promotoria, no entanto, a tragédia poderia ter sido
evitada, se houvesse, talvez, maior habilidade e cuidado por parte daqueles que
defendiam a integridade física de Sebastião.
Segundo o Dr.
Sérvio Borges da Silva (2015), os critério utilizados no julgamento tiveram
exclusivamente bases técnicas. Explicitou melhor: se a vítima não está
presente, não há legítima defesa; no caso, não havia estrito cumprimento do
dever legal, pois o réu não estava mais nas dependências da Delegacia.
Acrescentou que foram elaborados aproximadamente 80 quesitos a serem observados
pelos senhores jurados e que o julgamento aconteceu apenas calcado no que se
comprovou, tanto em relação ao número de mortos quanto ao de feridos, e ao de
quem protagonizou os fatos.
Também os
demais informantes do GP EDITEC e os entrevistados pelos repórteres
apresentaram versões contraditórias: tudo teria começado com um tiro disparado
por um matador de aluguel ou por um alcaguete; ou pela polícia; ou por alguém
da população; ou teria sido uma bomba de São João, de forte teor explosivo e
que teria sido confundida com um tiro. Até mesmo sobre os outros acontecimentos
(o homicídio da criança; a prisão do seu assassino) há diferentes versões.
Assim, após
seis dias, 96 horas e 55 minutos de julgamento os policiais-militares foram
condenados a 197 anos de reclusão (total da soma das penas). Houve um pesado
silêncio no tribunal quando o juiz proferiu a sentença, estando presente o
comandante geral da Polícia Militar, coronel Cesar Tasso Saldanha Lemos, bem
como outros oficiais, juízes, promotores, advogados, de toda a região, além de
jornalistas dos principais periódicos do país (FOLHA..., 1974b, p. 5).
Ressalte-se
que o Promotor de Justiça, Dr. Sérvio não se sentiu amedrontado, apesar de ter
recebido telefonemas desencorajadores, para que desistisse do caso, considerado
dificílimo para alguém tão moço, que enfrentaria dois gigantes, com muita
experiência. O que muitos desconheciam é que apesar de estar exercendo o cargo
de promotor há apenas dois anos, Dr. Sérvio já havia realizado 32 júris. Inclusive respondeu, durante os debates, com
um chiste a um comentário do Dr. Mário Jorge, que afirmou, pelo fato de ele ser
bastante jovem, não poder dar lições aos
mais velhos. Replicou então Dr. Sérvio:
“Mais corre um coelho de três anos do que um burro de 30”, o que provocou
muitos risos por parte da assistência, obrigando a intervenção do magistrado
(FOLHA..., 1974c, p. 1).
“A lei máxima
do país é a Constituição, que reconhece a decisão do Tribunal do Júri.
Portanto, quem critica o voto do Conselho de Sentença é, antes de mais nada, um subversivo” (VISÃO, 1974, p. 23)
(grifo nosso). Essas foram as palavras proferidas pelo promotor que respondia,
assim, de forma indireta à crítica de muitas pessoas, inclusive a de colegas de
farda dos réus, insatisfeitos com a condenação dos mesmos. Se pensarmos que a
ditadura militar estendeu-se de 1964 a 1985, Dr. Sérvio, em 1974, atuar desta
forma era, no mínimo, provocador e corajoso. Mas, sem dúvida, ele sentia-se
protegido e abençoado pelo Cristo de Cornélio Procópio, com a certeza do dever
cumprido e do caminho bem trilhado, independentemente do que aconteceu
posteriormente: recurso à justiça militar, liberdade, esquecimento.
Em meio a
tantas dúvidas, a tantas versões, a tantas tragédias, uma verdade: Dr. Sérvio
Borges da Silva, um cidadão exemplar!
Participaram da entrevista os
pesquisadores: Roberto Bondarik,
Fernando Henrique Pereira, Elton Mitio Yoshimoto, Rúbia Souza Pimenta de
Pádua, Alexandre Rômolo Moreira Feitosa e Marilu Martens Oliveira.
Referências
CORNÉLIO PROCÓPIO, foto.
Disponível em:
<http://www.sindespol.com.br/?p=499>.
Acesso em: 14 mar. 2014.
FOLHA DE LONDRINA. Júri do
radialista agora é que monopoliza atenções.
26/5/1974a, p.5.
FOLHA DE LONDRINA.
Policiais-militares foram condenados a 197 anos. 28/5/1974b, p.5.
FOLHA DE LONDRINA. No júri,
ontem, se falou até de burros e coelhos24/5/1974c, p.1.
FOLHA DE LONDRINA. Júri da
chacina foi monótono, no primeiro dia 23/05/1974d, p.5.
FOTOS do Dr. Sérvio Borges da
Silva e dos pesquisadores do GP Editec: nossos arquivos.
GAZETA DO POVO. Conheça a
história do maior júri dos últimos tempos no PR.[ ? ] 1974, p. 8.
SILVA, Sérvio Borges da. Sérvio Borges da Silva: depoimento [mar. 2015].
Entrevistadores: Roberto Bondarik, Fernando Henrique Pereira, Alexandre Rômolo
Moreira Feitosa, Elton Mitio Yoshimoto, Rúbia Pimenta de Pádua e Marilu Martens
Oliveira. Cornélio Procópio – PR: Escritório do Dr. Sérvio B. da Silva, 2015.
Londrina-PR. Entrevista concedida ao Projeto “Evocações do Passado: Memórias de
Procopenses”.
SOLEDADE, foto. Disponível em: <Rhttps://www.google.com.br/search?q=fotos+da+cidade+de+soledade+rio+grande+do+sul&biw=1261&bih=550&tbm=isch&imgil=jtvGLXRH>-.
Acesso em: 14 mar. 2015.
VISÂO. Uma entrevista
sensacional. 10/06/1974, p.20-23.