quinta-feira, 19 de março de 2015

“DEUS ME POUPOU O SENTIMENTO DO MEDO” - entrevista do Dr. Sérvio Borges da Silva para o Grupo de Pesquisa EDITEC, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná / UTFPR-CP

“DEUS ME POUPOU O SENTIMENTO DO MEDO”

Com a frase acima, parafraseando o presidente Juscelino Kubitschek, o Promotor de Justiça aposentado e advogado Sérvio Borges da Silva mostrou a que veio: corajoso nada o intimidou em sua vida profissional, nem mesmo quando, ainda jovem - 29 anos -, enfrentou dois atores astuciosos e bastante experientes, no palco do júri: os advogados criminalistas Mário Jorge e Vitório Constantino, que eram os defensores dos militares, réus no caso da Chacina do Cadeião (também conhecida como Chacina de Cornélio ou Caso Creuzinha, acontecida em 26 de junho de 1963, na cidade de Cornélio Procópio, norte do Paraná).
Gaúcho de Soledade, pequena cidade do Rio Grande do Sul, Dr. Sérvio, ainda criança, mudou-se para o Paraná, indo para a terra dos pinheirais e depois para a dos cafezais: e sempre um paranaense de coração. Ressalte-se que não se cansa de reiterar o sentimento que nutre de amor e ufanismo pelo estado que adotou.


Realizou seus estudos em Curitiba, com professores como Paulo Leminski e René Dotti, tendo cursado Direito na Universidade Federal do Paraná. Casado desde 1975 com advogada Adélia Cristina, uma pé vermelho, eles são pais de duas filhas, das quais muito se orgulham.
Dr. Sérvio Borgesuma referência na luta em prol da moralização pública – tem  participado de inúmeros movimentos na cidade de Londrina, onde reside. Um dos seus motes prediletos – ficou logo evidente para os entrevistadores – é o resgate da cidadania, afirmando que “o Brasil precisa de coisas verdadeiras. Honestas”. Nunca tendo recebido diárias enquanto atuou como Promotor Substituto, foi nessa condição que Dr. Sérvio assumiu o processo em foram acusados o capitão (e na época do julgamento já promovido a major) Djalma Mello (que era delegado adjunto e respondia como Delegado, pois o titular, Jorge da Gama Malcher estava viajando) e os policiais (sargento Octacilio Aquino, cabo Lorival de Lima, soldados Amantino Pedro Carvalho, Anizio Marciano dos Santos, Antonio Vitoriano Saturnino, Annio João Franco, Severino Manoel dos Prazeres e João Farias de Brito) por terem atirado contra a multidão que ameaçava linchar o preso, o chamado “tarado” Sebastião Vieira, que estuprou e matou a pequena Cleuza Ramos, conhecida como Creuzinha, de 5 anos, em junho de 1963, em Cornélio Procópio, cidade que contava então com aproximadamente 20000 habitantes.
Devido às circunstâncias, houve o desaforamento do processo, acontecendo em Londrina o julgamento dos militares, uma década depois, em maio de 1974. Dele participaram como juiz, o Dr. Augusto Massareto; e como escrivão, Irineu Zilitto (que chegou a ficar rouco, de tanto ler depoimentos e outras peças do processo).
A defesa alegou que os militares agiram no estrito cumprimento do dever legal, defesa do patrimônio público, legítima defesa de terceiros, obediência à ordem superior hierárquica. Para a promotoria, no entanto, a tragédia poderia ter sido evitada, se houvesse, talvez, maior habilidade e cuidado por parte daqueles que defendiam a integridade física de Sebastião.
Segundo o Dr. Sérvio Borges da Silva (2015), os critério utilizados no julgamento tiveram exclusivamente bases técnicas. Explicitou melhor: se a vítima não está presente, não há legítima defesa; no caso, não havia estrito cumprimento do dever legal, pois o réu não estava mais nas dependências da Delegacia. Acrescentou que foram elaborados aproximadamente 80 quesitos a serem observados pelos senhores jurados e que o julgamento aconteceu apenas calcado no que se comprovou, tanto em relação ao número de mortos quanto ao de feridos, e ao de quem protagonizou os fatos.
Também os demais informantes do GP EDITEC e os entrevistados pelos repórteres apresentaram versões contraditórias: tudo teria começado com um tiro disparado por um matador de aluguel ou por um alcaguete; ou pela polícia; ou por alguém da população; ou teria sido uma bomba de São João, de forte teor explosivo e que teria sido confundida com um tiro. Até mesmo sobre os outros acontecimentos (o homicídio da criança; a prisão do seu assassino) há diferentes versões.
Assim, após seis dias, 96 horas e 55 minutos de julgamento os policiais-militares foram condenados a 197 anos de reclusão (total da soma das penas). Houve um pesado silêncio no tribunal quando o juiz proferiu a sentença, estando presente o comandante geral da Polícia Militar, coronel Cesar Tasso Saldanha Lemos, bem como outros oficiais, juízes, promotores, advogados, de toda a região, além de jornalistas dos principais periódicos do país (FOLHA..., 1974b, p. 5).
Ressalte-se que o Promotor de Justiça, Dr. Sérvio não se sentiu amedrontado, apesar de ter recebido telefonemas desencorajadores, para que desistisse do caso, considerado dificílimo para alguém tão moço, que enfrentaria dois gigantes, com muita experiência. O que muitos desconheciam é que apesar de estar exercendo o cargo de promotor há apenas dois anos, Dr. Sérvio já havia realizado 32 júris.  Inclusive respondeu, durante os debates, com um chiste a um comentário do Dr. Mário Jorge, que afirmou, pelo fato de ele ser bastante jovem,  não poder dar lições aos mais velhos.  Replicou então Dr. Sérvio: “Mais corre um coelho de três anos do que um burro de 30”, o que provocou muitos risos por parte da assistência, obrigando a intervenção do magistrado (FOLHA..., 1974c, p. 1).
“A lei máxima do país é a Constituição, que reconhece a decisão do Tribunal do Júri. Portanto, quem critica o voto do Conselho de Sentença é, antes de mais nada, um subversivo” (VISÃO, 1974, p. 23) (grifo nosso). Essas foram as palavras proferidas pelo promotor que respondia, assim, de forma indireta à crítica de muitas pessoas, inclusive a de colegas de farda dos réus, insatisfeitos com a condenação dos mesmos. Se pensarmos que a ditadura militar estendeu-se de 1964 a 1985, Dr. Sérvio, em 1974, atuar desta forma era, no mínimo, provocador e corajoso. Mas, sem dúvida, ele sentia-se protegido e abençoado pelo Cristo de Cornélio Procópio, com a certeza do dever cumprido e do caminho bem trilhado, independentemente do que aconteceu posteriormente: recurso à justiça militar, liberdade, esquecimento.


Em meio a tantas dúvidas, a tantas versões, a tantas tragédias, uma verdade: Dr. Sérvio Borges da Silva, um cidadão exemplar!

Participaram da entrevista os pesquisadores: Roberto Bondarik,  Fernando Henrique Pereira, Elton Mitio Yoshimoto, Rúbia Souza Pimenta de Pádua, Alexandre Rômolo Moreira Feitosa e Marilu Martens Oliveira.




Referências
CORNÉLIO PROCÓPIO, foto. Disponível em:
<http://www.sindespol.com.br/?p=499>. Acesso em: 14 mar. 2014.
FOLHA DE LONDRINA. Júri do radialista agora é que monopoliza atenções.  26/5/1974a, p.5.
FOLHA DE LONDRINA. Policiais-militares foram condenados a 197 anos. 28/5/1974b, p.5.
FOLHA DE LONDRINA. No júri, ontem, se falou até de burros e coelhos24/5/1974c, p.1.
FOLHA DE LONDRINA. Júri da chacina foi monótono, no primeiro dia 23/05/1974d, p.5.
FOTOS do Dr. Sérvio Borges da Silva e dos pesquisadores do GP Editec: nossos arquivos.
GAZETA DO POVO. Conheça a história do maior júri dos últimos tempos no PR.[ ? ] 1974, p. 8.
SILVA, Sérvio Borges da. Sérvio Borges da Silva: depoimento [mar. 2015]. Entrevistadores: Roberto Bondarik, Fernando Henrique Pereira, Alexandre Rômolo Moreira Feitosa, Elton Mitio Yoshimoto, Rúbia Pimenta de Pádua e Marilu Martens Oliveira. Cornélio Procópio – PR: Escritório do Dr. Sérvio B. da Silva, 2015. Londrina-PR. Entrevista concedida ao Projeto “Evocações do Passado: Memórias de Procopenses”.
SOLEDADE, foto.  Disponível em: <Rhttps://www.google.com.br/search?q=fotos+da+cidade+de+soledade+rio+grande+do+sul&biw=1261&bih=550&tbm=isch&imgil=jtvGLXRH>-. Acesso em: 14 mar. 2015.
VISÂO. Uma entrevista sensacional. 10/06/1974, p.20-23.