domingo, 17 de maio de 2015

DONA OLINDA CUNHA DE LIMA, ENTRE RISOS E LÁGRIMAS, UMA VIDA BEM VIVIDA - Parte 2 - Nem tudo é riso: Dona Olinda chora ao falar da pequena Creuzinha

 Indagada sobre a Chacina do Cadeião, também conhecida como O caso Creuzinha, Dona Olinda emocionou-se ao relatar os acontecimentos, caindo em lágrimas. Na época dos fatos – junho de 1962, seu marido era o chefe do armazém da Rede Ferroviária e uma mulher, com a menina de uns 5 anos (a menor (Cleuza Ramos, conhecida como Creuzinha), e outros “andantes” fizeram um fogão na frente do armazém, perto do muro. Enquanto a mãe da Creuzinha saiu, talvez para ir ao banheiro, um homem (que depois se soube era Sebastião Vieira da Silva) , negro, que tinha uma filha da idade da garota, aproximadamente, saiu com as duas e não voltou. A progenitora ficou desesperada, chorando muito e Sr, Octávio, vendo seu estado, resolveu ajudá-la a procurar a garota, mas não a encontraram. Depois ele a levou ao necrotério, na garupa de sua bicicleta Hélbia para fazer o reconhecimento do corpo, que havia sido encontrado no Macuco, bairro da zona rural de Cornélio. Ao ver a filhinha naquele estado,quase desmaiou e teve que ser socorrida.
Segundo Dona Olinda, que esteve lá acompanhada pelo filho Paulo Roberto e por uma vizinha, formigas passeavam pelo corpinho. A garotinha era bonitinha, clarinha, cabelos curtinhos, meio amarelinhos, com um vestidinho sujo, e estava bem inchada (o carinho de Dona Olinda aparece no uso dos diminutivos). Lembrou-se que o assassino, chamado de “tarado” por todos na época, foi preso – parece que em Maringá - quando pegava o trem e voltava para enterrar o corpo que havia largado lá no Macuco, pois “doía seu coração” ao pensar naquilo, conforme disse aos policiais. Relatou ainda que ele fez um torniquete e foi apertando o pescocinho, depois abusando da menina, tendo judiado muito dela, cujo corpo estava cheio de sangue e hematomas, apresentando um grande sinal no pescoço. Indagada sobre o pai da menina, não soube responder, visto que ninguém falou sobre ele. Acrescentou ao relato que as mulheres da zona de prostituição, que ficava no quarteirão da cadeia, participaram ativamente do assédio ao prédio e ao assassino, e gritavam: “sai daí, monstro! Não precisava ter feito isso! Nós estávamos aqui!”. Que elas berravam, choravam e jogavam pedras nas paredes e janelas da cadeia. E que também foram elas que ajudaram a realizar o velório e o enterro da Creuzinha, que virou santinha. Várias vezes o relato foi interrompido pelas lágrimas de Dona Olinda.
Informou, também, que ouviu a longa entrevista que o radialista Hélio Claudino fez com Sebastião, o tarado, que narrou com detalhes seu crime, e que seu marido esteve nas proximidades da cadeia, tendo lhe contado que o povo ameaçava invadir o prédio, com pedras, tijolos e facão, pois queria tirar o “monstro” de lá e fazer justiça. As pessoas queriam “castrar o monstro”. “Foi muito triste, doía muito”. E que após os primeiros tiros ele saiu correndo e foi para casa, apavorado, e que ela, de lá, ouvia os tiros e morava bem distante (perto do novo Colégio Castro Alves).
Um jovem, Moacir, que morava a uns três quarteirões da sua casa, foi morto por um tiro e seu corpo jogado numa caminhonete, transportada não sabe por quem. Muita gente teve seu corpo jogado por cima do muro do cemitério, segundo comentavam na época. Soube também que morreu um rapaz, mecânico de carro, lá perto da caixa d´água, assim como um deputado, do coração, emocionado pelos acontecimentos, e que houve muitos feridos graves e vários ficaram paralíticos.

O caso teve tal repercussão, que até sua mãe, que morava em São Paulo, ficou sabendo do caso e telefonou para ela, para saber se tudo estava bem. É uma página da história de Cornélio que Dona Olinda, pessoa delicada e sensível, nunca gostaria que tivesse sido escrita.
D. Olnda

D. Olinda com as pesquisadoras Marilu e Zenaide  
D. Olinda com os professores Marilu, Zenaide e Luiz Adriano, pesquisadores do GP EDITEC / UTFPR-CP

Participaram da entrevista, realizada em 24/02/2015, os pesquisadores:  Profa. Dra. Marilu Martens Oliveira, Profa. Zenaide Aparecida Negrão, Professor Luiz Adriano Morganti (GP EDITEC/  UTFPR-CP).

DONA OLINDA CUNHA DE LIMA, ENTRE RISOS E LÁGRIMAS, UMA VIDA BEM VIVIDA - Parte 1 - Risos e lágrimas: uma vida bem vivida

 Discorrer sobre memória é sempre prazeroso, envolvente e emocionante, pois para César Ades (2004, p. 236), em texto de informantes a Eclea Bosi: “Cada relato remete a situações em que o depoente se envolveu em interação com outras pessoas, reflete as crenças que adquiriu em grupo, se ancora temporalmente aos eventos que fizeram notícia e qualificaram a época […]”. E, em um outro fragmento, na mesma página: “A vida `privada´ constitui o testemunho de um tempo coletivo […]” .
Assim é que, procurada para fornecer informações sobre o “Caso Creuzinha”, pois seu marido, Sr. Octávio Rodrigues de Lima, ferroviário nascido em 1922 em Jacarezinho/PR, foi quem denunciou o desaparecimento da garotinha - informação corroborada pelo radialista Hélio Claudino Pestana (2014) - e acompanhou a mãe da pequena nas primeiras buscas, Dona Olinda, prendas do lar, surpreendeu pela vivacidade e alegria com que traçou um painel da pequena Cornélio Procópio, para a qual se mudou logo que se casou, em 1955.
Orgulhosa da ascensão profissional do esposo, pessoa correta, bom companheiro e excelente pai, que tocava violão e violino na igreja e em um grupo musical, Dona Olinda puxou os fios da memória para tecer um relato saboroso, bordado com risos e lágrimas, vibrante como ela, uma senhorinha apelidada de Barbie, pelos belos cabelos aloirados, vaidosa, gentil e amorosa, sempre cercando sua família - marido e os filhos Paulo Roberto e Sander Otávio - de muitos cuidados.
Sr. Otávio Lima: cabo do exército
D, Olinda, Sr. Otávio e Paulo Roberto
Sua primeira residência, alugada, era numa “pirambeira”, para baixo da linha do trem, onde ela foi muito feliz, apesar dos poucos recursos oferecidos pela nova cidade. Na época, o Sr. Matos era o chefe da estação e incentivou seu marido a fazer cursos, inclusive em Curitiba, que lhe possibilitaram melhorar na carreira. Inicialmente ele “colocava fogo” na máquina, depois foi galgando posições: cargos no escritório, agente de estação especial, chefe do armazém de café, conseguindo dar uma vida bastante confortável aos seus familiares.
Urbe pequena, seus filhos, que estudaram no Coleginho (Colégio Nossa Senhora do Rosário), brincavam de pipa, em campinhos de terra, iam aos circos e parques, que aqui aportavam e também aos de Londrina, ao cinema, passeavam de trem, brincavam nos balanços do Bosque Municipal Manoel Júlio de Almeida, iam ao Cristo tomar sorvete e apreciar o por do sol, quando pequenos. Ressaltou que as pessoas eram amigas, solidárias e que não havia distinção, todos frequentavam os mesmos lugares de lazer: pobres e ricos, brancos e negros, idosos e crianças.
Contou que passava a roupa com ferro à brasa, pois a luz era muito fraca e a chamavam de tomate, devido à cor avermelhada; a água para beber era de poço, porque a vinda da rua era salobra. Para serviços de saúde, usavam o médico da Rede Ferroviária, Dr. Montenegro, mas quem fez suas cesáreas foi o Dr. Paulo Amarante. Também iam à Clínica Carazzai e eram muito bem atendidos pelo Dr. Acir Ivo Carazzai. O dentista da família era o Dr. Miguel Caznok, cujo consultório ficava na Av XV de Novembro, nos altos da antiga Casa Americana.
Lembrou-se que logo que chegaram na cidade, todos os habitantes faziam suas compras nas pequenas mercearias, e sua família privilegiava a do Sr. José Ayub, depois a do Sol Nascente e a Quitanda Sumi. Só bem depois é que vieram os Super Mercados, quando tudo passou a ser mais distanciado, informal. Sente saudade de quando ia, por exemplo, à livraria e papelaria Casa Marival, onde comprava material escolar e brinquedos para os filhos, e era atendida pelos donos, Sr. Hernani e dona Lelita, ou pela gerente Maria Francisca, que conversavam com ela, sabiam de suas preferências, e era uma relação de amizade. O mesmo acontecia com o farmacêutico Celso Vieira, dono da Farmácia Santa Inês.
Seus filhos cresceram e tomaram outros rumos. Paulo Roberto, bancário, hoje aposentado, trabalhou na Gerência de Comunicação e Mobilização Social do Banco Brasil. Alegre e festeiro como Dona Olinda, participou de desfiles das escolas de samba de Cornélio e reside em Londrina. Seu irmão, Sander Otávio, atua na área de comunicação, trabalhando em emissoras de rádio e como Mestre de Cerimônias em eventos na região de Palmas/PR.
Os filhos de D. Olinda: Paulo Roberto e Sander Otávio
D. Olinda, Sr, Otávio e Paulo Roberto no restaurante do hoje Hotel Aguativa
O festeiro Paulo Roberto, preparado para o Natal
Dona Olinda cuidou de Sr Octávio, com quem ficou casada por 34 anos, e que ficou adoentado por bastante tempo. Após seu falecimento, foi amparada pelo amor dos filhos. Mas, devido ao temperamento alegre, seguiu em frente, participando de festas e bailes, tendo vencido um concurso de valsas na cidade de Londrina. 
Participaram da entrevista, realizada em 24/02/2015, os pesquisadores Profa. Dra. Marilu Martens Oliveira, Profa. Zenaide Aparecida Negrão, Prof. Luiz Adriano Morganti (GP EDITEC/UTFPR-CP)