Discorrer
sobre memória é sempre prazeroso, envolvente e emocionante, pois
para César Ades (2004, p. 236), em texto de informantes a Eclea
Bosi: “Cada relato remete a situações em que o depoente se
envolveu em interação com outras pessoas, reflete as crenças que
adquiriu em grupo, se ancora temporalmente aos eventos que fizeram
notícia e qualificaram a época […]”. E, em um outro fragmento,
na mesma página: “A vida `privada´ constitui o testemunho de um
tempo coletivo […]” .
Assim
é que, procurada para fornecer informações sobre o “Caso
Creuzinha”, pois seu marido, Sr. Octávio Rodrigues de Lima,
ferroviário nascido em 1922 em Jacarezinho/PR, foi quem denunciou o
desaparecimento da garotinha - informação corroborada pelo
radialista Hélio Claudino Pestana (2014) - e acompanhou a mãe da
pequena nas primeiras buscas, Dona Olinda, prendas do lar,
surpreendeu pela vivacidade e alegria com que traçou um painel da
pequena Cornélio Procópio, para a qual se mudou logo que se casou,
em 1955.
Orgulhosa
da ascensão profissional do esposo, pessoa correta, bom companheiro
e excelente pai, que tocava violão e violino na igreja e em um grupo
musical, Dona Olinda puxou os fios da memória para tecer um relato
saboroso, bordado com risos e lágrimas, vibrante como ela, uma
senhorinha apelidada de Barbie, pelos belos cabelos aloirados,
vaidosa, gentil e amorosa, sempre cercando sua família - marido e os
filhos Paulo Roberto e Sander Otávio - de muitos cuidados.
Sr. Otávio Lima: cabo do exército |
D, Olinda, Sr. Otávio e Paulo Roberto |
Sua
primeira residência, alugada, era numa “pirambeira”, para baixo
da linha do trem, onde ela foi muito feliz, apesar dos poucos
recursos oferecidos pela nova cidade. Na época, o Sr. Matos era o
chefe da estação e incentivou seu marido a fazer cursos, inclusive
em Curitiba, que lhe possibilitaram melhorar na carreira.
Inicialmente ele “colocava fogo” na máquina, depois foi galgando
posições: cargos no escritório, agente de estação especial,
chefe do armazém de café, conseguindo dar uma vida bastante
confortável aos seus familiares.
Urbe
pequena, seus filhos, que estudaram no Coleginho (Colégio Nossa
Senhora do Rosário), brincavam de pipa, em campinhos de terra, iam
aos circos e parques, que aqui aportavam e também aos de Londrina,
ao cinema, passeavam de trem, brincavam nos balanços do Bosque
Municipal Manoel Júlio de Almeida, iam ao Cristo tomar sorvete e
apreciar o por do sol, quando pequenos. Ressaltou que as pessoas eram
amigas, solidárias e que não havia distinção, todos frequentavam
os mesmos lugares de lazer: pobres e ricos, brancos e negros, idosos
e crianças.
Contou
que passava a roupa com ferro à brasa, pois a luz era muito fraca e
a chamavam de tomate, devido à cor avermelhada; a água para beber
era de poço, porque a vinda da rua era salobra. Para serviços de
saúde, usavam o médico da Rede Ferroviária, Dr. Montenegro, mas
quem fez suas cesáreas foi o Dr. Paulo Amarante. Também iam à
Clínica Carazzai e eram muito bem atendidos pelo Dr. Acir Ivo
Carazzai. O dentista da família era o Dr. Miguel Caznok, cujo
consultório ficava na Av XV de Novembro, nos altos da antiga Casa
Americana.
Lembrou-se
que logo que chegaram na cidade, todos os habitantes faziam suas
compras nas pequenas mercearias, e sua família privilegiava a do Sr.
José Ayub, depois a do Sol Nascente e a Quitanda Sumi. Só bem
depois é que vieram os Super Mercados, quando tudo passou a ser mais
distanciado, informal. Sente saudade de quando ia, por exemplo, à
livraria e papelaria Casa Marival, onde comprava material escolar e
brinquedos para os filhos, e era atendida pelos donos, Sr. Hernani e
dona Lelita, ou pela gerente Maria Francisca, que conversavam com
ela, sabiam de suas preferências, e era uma relação de amizade. O
mesmo acontecia com o farmacêutico Celso Vieira, dono da Farmácia
Santa Inês.
Seus
filhos cresceram e tomaram outros rumos. Paulo Roberto, bancário,
hoje aposentado, trabalhou na Gerência de Comunicação e
Mobilização Social do Banco Brasil. Alegre e festeiro como Dona
Olinda, participou de desfiles das escolas de samba de Cornélio e
reside em Londrina. Seu irmão, Sander Otávio, atua na área de
comunicação, trabalhando em emissoras de rádio e como Mestre de
Cerimônias em eventos na região de Palmas/PR.
Os filhos de D. Olinda: Paulo Roberto e Sander Otávio |
D. Olinda, Sr, Otávio e Paulo Roberto no restaurante do hoje Hotel Aguativa |
O festeiro Paulo Roberto, preparado para o Natal |
Dona
Olinda cuidou de Sr Octávio, com quem ficou casada por 34 anos, e
que ficou adoentado por bastante tempo. Após seu falecimento, foi
amparada pelo amor dos filhos. Mas, devido ao temperamento alegre,
seguiu em frente, participando de festas e bailes, tendo vencido um
concurso de valsas na cidade de Londrina.
Participaram
da entrevista, realizada em 24/02/2015, os pesquisadores Profa. Dra. Marilu Martens Oliveira, Profa. Zenaide Aparecida Negrão, Prof. Luiz Adriano Morganti (GP EDITEC/UTFPR-CP)
Otimo relato e bem desenvolvido. O trabalho desses professores merece o maior respeito, pela dedicação, pelo dialogo, pela lembrança. Um pouco da história por quem a viveu intensamente. (servio)
ResponderExcluirEsse jovem Moacir era meu tio, estava eu aqui procurando conhecer esta história. Minha mãe conta ela e diz que minha avó ficou enlouquecida vom a história pois mataram meu tio.
ResponderExcluirOlá. Vc pode entrar em contato comigo pelo Facebook?
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